Ter muitas células significa mais mutações em potencial, mas é raro elefantes terem câncer –e isso pode ajudar a criar novas drogas contra a doença
Em 1977, o estatístico da Universidade de Oxford Richard Peto apontou um fato simples porém intrigante da biologia: nós humanos deveríamos ter câncer com muito mais frequência que os camundongos, mas não temos.
O seu argumento era simples. Toda vez que uma célula se divide, há uma pequena chance de ela ganhar uma mutação. Células que acumulam essas mutações podem se tornar cancerígenas.
Quanto maior um animal, mais células ele tem. Quanto mais ele vive, mais essas células se dividem. Nós humanos passamos por cerca de 10 mil vezes mais divisões celulares do que os camundongos –deveríamos ter mais câncer.
Mas humanos e camundongos têm mais ou menos a mesma chance de ter câncer ao longo da vida, algo que se tornou conhecido como o paradoxo de Peto.
Cientistas especulam que animais grandes e que vivem bastante devem ter desenvolvido um arsenal extra contra o câncer. Caso contrário, essas espécies teriam sido extintas.
"Todo bebê elefante deveria cair morto com câncer de cólon aos três anos", diz Joshua Schiffman, um oncologista pediátrico da Universidade de Utah.
Em artigo para o Jama, revista científica da Associação Médica Americana, Schiffman e colegas mostram que os elefantes parecem ser excepcionais na luta contra o câncer, usando proteínas especiais para matar as células danificadas por ele.
De modo independente, a equipe de Vicent Lynch, biólogo evolucionista na Universidade de Chicago, chegou à mesma conclusão.
Schiffman e companhia mostraram que, de 664 mortes da elefantes em zoológicos analisadas, apenas 5% tinham morrido de câncer. (Em contraste, 15,6% dos brasileiros morrem de câncer –e o valor não para de crescer–, mesmo com os elefantes pesando muito mais.)
O gene que parece defender os elefantes se chama p53. A proteína codificada por esse gene monitora danos no DNA das células e, em alguns casos, desencadeia a sua reparação. Em outros, o p53 faz com que a célula pare de se dividir mais. Por fim, em um terceiro tipo de casos, ela faz as células cometerem suicídio.
Um sinal de quão importante p53 é para combater o câncer é o que acontece com as pessoas que nascem com uma cópia defeituosa do gene. Essa condição, conhecida como síndrome de Li-Fraumeni, cria um risco de mais de 90% de que a pessoa tenha câncer ao longo da vida. Muitas pessoas desenvolvem vários tipos independentes de câncer.
Schiffman descobriu que, enquanto os humanos têm apenas um par de genes p53, os elefantes têm 20.
Lynch também encontrou esses genes extra. Para traçar a sua história evolutiva, os pesquisadores fizeram uma comparação de larga escala entre os elefantes e outras espécies de mamíferos –inclusive parentes extintos como os mastodontes, cujo DNA está presente nos seus fósseis.
Os ancestrais pequenos dos elefantes tinham poucos pares de p53. Conforme foram crescendo, o número de cópias foi aumentando.
"O que é que esteja acontecendo é específico da linhagem dos elefantes", diz Lynch.
EXPERIMENTOS
Mas ambos os grupos foram além disso nas pesquisas. Eles fizeram experimentos. Schiffman bombardeou as células de elefante com radiação e substâncias químicas que danificam o DNA. Lynch usou também substâncias químicas e raios ultravioleta.
Nos dois casos, as células responderam cometendo suicídio. Schiffman vê isso como jeito único –e muito eficiente– de bloquear o câncer. "É como se os elefantes estivessem dizendo que tudo bem, eles têm muitas outras células [saudáveis] para colocar no lugar", diz ele.
A oncologista Patricia Muller, da Universidade de Leicester, que não estava envolvida nos estudos, afirma que os resultados são estimulantes, mas que é preciso mais estudos para entender exatamente como o p53 atua. Por isso, diz, ainda é prematuro tentar imitar a estratégia dos elefantes na criação de medicamentos para humanos.
Em camundongos, por exemplo, experimentos que inserem p53 extras no DNA acabaram acelerando o envelhecimento dos animais.
Schiffman diz que outros bichos grandes ou que vivem bastante também devem ter desenvolvido mecanismos contra o câncer –e já se sabe que alguns deles são muito diferentes da estratégia dos elefantes, aparentemente os únicos que optaram por mais genes p53.
Entre os bichos, podem estar os papagaios, tartarugas e baleias, aponta o cientista, que já está iniciando pesquisas com outros animais.
"A guerra contra o câncer já existe desde muito antes da existência dos humanos", afirma o pesquisador americano. "Então vamos olhar as estratégias que a natureza criou."
13/10/2015 - Fonte: Folha de S.Paulo
CARL ZIMMER DO "NEW YORK TIMES"