Estudos apontam que chamar novo medicamento de 'viagra feminino' não é correto: da eficácia à ação no organismo, produtos são muito diferentes
RICARDO MIOTO EDITOR-ADJUNTO DE "COTIDIANO" GABRIEL ALVES GUILIANA MIRANDA DE SÃO PAULO
Embora chamado de "viagra feminino", o Addyi (flibanserina), aprovado recentemente pela FDA, agência reguladora americana, é pouco comparável à droga voltada para o público masculino.
Primeiro, os resultados são bem diferentes.
No principal estudo que levou à aprovação do Addyi, mulheres que não tomavam o medicamento relatavam ter 2,6 relações sexuais por mês. As que tomaram placebo (ou seja, pílulas sem princípio ativo) relataram 4,2 atos por mês. Já as mulheres que tomaram o medicamento de verdade –uma pílula diária– relataram 5 atos por mês.
Ou seja, a diferença entre o placebo –a mera crença de estar sendo medicado– e a medicação é pequena.
Compare com o Viagra: enquanto 74% dos que efetivamente tomaram o remédio relatavam melhora da disfunção erétil, 27% dos que tomavam placebo tiveram o mesmo resultado.
Além disso, há uma questão metodológica, aponta Álvaro Nagib Atallah, diretor do Centro Cochrane do Brasil, que se dedica à medicina baseada em evidências, e professor da Unifesp.
Havia duas maneiras de saber se as mulheres de fato haviam transado mais: fazendo com que registrassem tudo em um diário ou por um questionário ao fim do período. O primeiro método é obviamente mais confiável, já que o segundo depende da memória da paciente. O problema é que, quando os pesquisadores analisaram os diários, não encontraram uma diferença significativa em comparação com o placebo.
"Mesmo desconsiderando isso e pegando os números relatados pela memória, pense são 30 pílulas ao mês para ter 0,8 relação sexual", diz Atallah. Ele lembra que a droga tem efeitos colaterais como desmaios ou queda da pressão. "Não são os melhores sintomas para quem dirige, opera máquinas, trabalha..."
Além disso, é importante ressaltar que Viagra e Addyi não são medicamentos da mesma classe.
O Viagra não visa aumentar o desejo sexual. Ele apenas leva a ereções por meio da dilatação dos vasos dos corpos cavernosos. Assim, um assexuado que tomar Viagra será só um assexuado com os vasos dilatados.
Já o Addyi busca aumentar o interesse por sexo, alterando o equilíbrio de neurotransmissores como noradrenalina e dopamina.
MACHISMO
O Addyi foi recusado duas vezes pela FDA.
A terceira tentativa foi marcada por forte atuação de grupos feministas. Parte dos gastos da campanha de lobby foi financiado pela farmacêutica Sprout, a quem a droga pertence.
Um dos argumentos é que não havia nenhuma droga aprovada voltada para aprimorar a vida sexual feminina, contra 26 medicamentos contra a disfunção masculina.
O Addyi é uma forma de "empoderamento" feminino, disse Sally Grennberg, diretora da Liga Nacional dos Consumidores dos EUA. "É o maior inovação para a vida sexual feminina desde a pílula anticoncepcional."
"É feminismo estranho, que se pauta em falsas esperanças", diz Atallah, para quem a FDA decidiu acuada. "A diferença de efetividade com o Viagra é brutal. Não há nada de machismo aí."
Já para a ginecologista Albertina Duarte, autora de vários livros sobre sexualidade feminina, a indústria ainda não investe em testes que levem em consideração a complexidade das relações para as mulheres.
"Desejo feminino não é só questão física, e o testes têm de refletir isso. Mas isso custa caro. Ainda não existe um interesse, às vezes por uma questão de machismo."
Um outro argumento a favor é que a droga se mostrou segura em vários testes.
Ou seja, mesmo considerando que os resultados são pequenos, a recusa da FDA estaria só deixando de dar uma chance a mulheres cuja maior perda potencial seria continuar do mesmo jeito.
Até porque um grupo específico de pacientes (10%) relatou grande aumento no desejo, o que significa que, para algumas mulheres, a droga pode ser muito boa.
A venda nos EUA começa em outubro. Não há previsão para o Brasil.
Fonte: Folha de S.Paulo 08/09/2015