Autor de livro sobre setor de alimentos nos Estados Unidos, Michael Moss diz que produtos são feitos com engenharia de precisão para serem irresistivelmente doces, salgados e gordurosos
Os métodos da indústria de alimentos processados foram dissecados por Michael Moss, repórter investigativo do jornal “The New York Times”, no livro-reportagem “Sal, Açúcar e Gordura: Como a Indústria Alimentícia nos Fisgou” (Intrínseca), recém-lançado no Brasil. Baseado em documentos e depoimentos de mais de 300 pessoas, Moss, que venceu um prêmio Pulitzer em 2010, afirma que a indústria alimentícia faz de tudo para economizar nos gastos, aumentando os lucros, e para viciar os consumidores, mantendo em seus produtos altas doses de sal, açúcar e gordura.
Dá para ser feliz sem junk food?
Imagino que alguns responderiam que não. Mas diria que, enquanto a junk food pode satisfazer um desejo, uma ânsia, ela não me faz tão feliz quanto uma refeição caseira, na companhia da família e amigos.
Quem é mais culpado pelo consumo de exagerado de sal, açúcar e gordura? A indústria de alimentos, o consumidor...?
Certamente há alguma responsabilidade de nossa parte enquanto consumidores. Mas essas são grandes empresas, com muitos recursos, e por isso coloco a maior parte da culpa neles. E não apenas por causa da epidemia de obesidade, mas também por causa da diabetes e de outras doenças ligadas aos alimentos que assolam o mundo. As empresas fazem seus produtos com engenharia de precisão para serem irresistivelmente doces, salgados e gordos. E usam o marketing, também preciso, para nos levar a não apenas gostar deles, mas a querer mais e mais. Fazem isso sabendo que pessoas se tornarão cada vez mais dependentes de seus produtos, mesmo tendo funcionários habilidosos e recursos para fazer versões verdadeiramente saudáveis de seus alimentos. Porém, para maximizar suas vendas, escolhem continuar a fazer os mesmos produtos. Não vejo a indústria de alimentos processados como má, ou como tendo a intenção de nos deixar muito acima do peso ou doentes. Ela faz o que todas as empresas querem fazer, que é ganhar o máximo de dinheiro possível vendendo mais produtos.
Na sua opinião, por que as taxas de obesidade nos EUA não se reduzem significativamente?
Temos desenvolvido uma dependência profunda e um hábito de consumir alimentos processados que é muito difícil de quebrar. E o governo federal ainda supervisiona um programa em que a indústria de laticínios levanta dezenas de milhões de dólares a cada ano para promover o consumo de queijo fundido, em grande parte como ingrediente dos alimentos processados.
Hoje, é mais fácil ter acesso a informações sobre alimentos? O consumidor sabe o que está comprando?
Sim e não. Alimentos que você compra no supermercado precisam ter informações nutricionais em seus rótulos. E os restaurantes de fast food de Nova York, por exemplo, devem informar as calorias em locais visíveis. Mas, as pessoas que mais precisam de ajuda para controlar e melhorar a sua dieta são as menos aptas a prestar atenção nesses avisos e informações. Ou por falta de educação, ou por falta de tempo, ou ambos. E, claro, tentar montar uma dieta saudável baseada em alimentos embalados é muito difícil até para consumidores experientes. Ou seja: a informação ao consumidor, sozinha, é ineficaz.
O que achou da recente determinação do governo dos EUA de banir a gordura trans nos alimentos?
Fantástica. Alguns anos atrás, o governo exigiu que as empresas revelassem que usavam gordura trans, e nos livramos de 85% dela. Mas a proibição me parece necessária para se conseguir o restante. E mesmo que isso não seja fácil ou barato (o custo estimado é de US$ 6 bilhões), se livrar das últimas gorduras trans vai economizar US$ 130 bilhões por ano em custos médicos.
Que tipo de processado você come mais? Seus filhos também comem?
Gosto de batatas chips, pizza e cachorros-quentes, em casa ou num jogo de beisebol. Doces, refrigerante e biscoitos não me seduzem. E, claro, penso sobre a pesquisa que fiz. Lembro como a junk food é projetada para me fazer querer mais. Mas sou sortudo e posso comer um punhado de batatas chips e não ficar tentado a comer o saco inteiro. Meu objetivo com a junk food é não evitá-la completamente, mas ter controle em relação a ela. Não a bani da minha vida ou mesmo da dieta dos meus dois meninos. Nós apenas tomamos cuidado para não comer muito, e a consideramos como um prazer ocasional.
Fonte: Portal O Globo - 20/07/2015