Ainda que não haja números que comprovem incidência maior em jovens adultos, eles estão cada vez mais presentes nos consultórios. Conheça suas histórias.
Ainda não há dados suficientes para comprovar um aumento na incidência de câncer em pessoas entre 18 e 40 anos, mas essa é a sensação de alguns médicos ao observar as fichas de seus pacientes. “Não há números, mas, no nosso dia-a-dia, temos visto casos surpreendentes que não víamos no passado, como mulheres com 25 ou 30 anos e câncer de mama”, diz a oncogeneticista Maria Isabel Achatz do Hospital A. C. Camargo.
Entre os jovens, alguns tipos de câncer costumam ser mais comuns: testículos; leucemias; linfomas; tumores ósseos; tireóide; cerebrais; melanomas; e os que podem ser associados ao HPV, como o de cólo do útero, o quarto mais comuns entre as mulheres acima de 25 anos, e o de garganta e boca , que têm aumentado entre homens abaixo dos 40.
No geral, os casos de câncer são relacionados aos hábitos das pessoas. Na opinião do nutricionista Fábio Gomes da Silva, da Unidade Técnica de Alimentação, Nutrição e Câncer do Inca, os efeitos da alimentação, por exemplo, “começam desde a barriga da mãe, pois existem evidências de que a alimentação da gestante pode interferir no aparecimento de câncer no filho.”
“Há 30 anos consumíamos menos de 20% de produtos industrializados. Hoje, essa porção chega a 30%”, explica. Essa mudança nos hábitos alimentares pode ser, na visão do nutricionista, um dos fatores para que mais jovens tenham câncer.
Durante a infância, a atual geração de adultos de até 40 anos passou a consumir em maior quantidade refrigerantes, alimentos embutidos - que são ricos em sódio -, açúcar, frutas e verduras cultivadas com agrotóxicos, e também se tornou mais sedentária. “A obesidade infantil, por exemplo, ajuda a desenvolver vários tipos de câncer”, afirma Silva. Segundo estudos, um terço dos cânceres poderia ser evitado por uma dieta balanceada e a prática de exercícios.
Herança. A árvore familiar também pode ser a origem do aparecimento dos carcinomas. De acordo com os oncologistas, apenas 10% dos casos de câncer são hereditários, mas esse percentual, em boa parte, corresponde aos pacientes mais jovens. “Síndromes hereditárias são um alto risco para o desenvolvimento do câncer em idade jovem”, explica Maria Isabel. A mutação do BRCA1, que está relacionada aos cânceres de mama e ovários e ficou famosa pelo caso da atriz Angelina Jolie, é uma delas.
“No Brasil, a síndrome de Li-Fraumeni, rara no restante do mundo, é um problema de saúde pública”, a oncogeneticista, que é quem lidera os estudos no País. Isso porque existe uma mutação específica - a R337H - que acontece no gene TP53 e só se vê em brasileiros. Sua origem é curiosa: Há muitos anos, durante a colonização, existiu um tropeiro portador dessa mutação. Como ele viajava bastante, tinha relacionamentos amorosos em diferentes lugares e, assim, fez muitos herdeiros da R337H pelo território. Um indivíduo portador da síndrome de Li-Fraumeni tem 50% de chances de ter câncer antes dos 30 anos, especialmente sarcomas, tumores na cabeça, câncer de mama e de colo.
Histórias. A herança genética foi a responsável pelo câncer de mama da paulistana Julia Pestana em 2012, quando ela tinha 22 anos. Sua avó, aos 50, e sua mãe, aos 38 anos, tiveram o mesmo tipo de tumor. “Me sentia traçada para ter câncer de mama, sempre fiz acompanhamento médico, mas não sabia que viria tão cedo.” Ela percebeu o aparecimento de um nódulo em um dos seios, mas foi só dois meses depois, ao ver uma reportagem com fotos de mulheres que tiveram câncer de mama, que surgiu a coragem para ir ao médico.
Como o diagnóstico não demorou, Julia teve a sorte de ter o tumor mais próximo à pele, o que facilitou a cirurgia de retirada das mamas e colocação de próteses, mas ainda seriam necessárias sessões de quimioterapia durante seis meses. “Ter câncer foi dar uma pausa na minha juventude. Eu não podia ter as mesmas preocupações de uma garota da minha idade porque eu precisava cuidar da minha vida.”
Mas o tratamento também foi uma forma de libertação para Julia. Logo depois da alta, ela largou a área de administração, na qual era recém-formada, e viajou para Paris para fazer o que sempre quis: trabalhar com moda. Também não é mais tão exigente com sua aparência. “A quimioterapia te desconstrói. Uma parte morre e você renasce. E quando você pensa que vai morrer, você só quer aproveitar a vida. Hoje, eu a valorizo mais.”
Essa também foi a percepção da psicóloga Susan Melror Filha, de Maceió, que, coincidentemente, trabalha com crianças com câncer. No ano passado, dez meses depois de ter dado a luz ao primeiro filho, ela voltou a ter os sintomas da gravidez: enjôos e um pouco de cansaço. Mas o que parecia ser um novo bebê para aquela mamãe de 31 anos era, na verdade, um coriocarcinoma gestacional, um tipo raro. Ou seja, um resto de placenta que ficou em seu organismol, foi para o fígado e se tornou um tumor.
Para o tratamento, a alagoana veio para São Paulo, e o hospital virou sua nova casa. Como o estágio do tumor já estava avançado, Susan enfrentou complicações médicas, chegando a ficar na UTI e a ter uma infecção no pulmão. Mas sua maior dificuldade era outra: ficar longe do filho que ainda estava em suas primeiras descobertas da vida. “Eu não tinha muita opção, eu ia ou eu morria. Foi difícil ficar longe do meu filho, porque, logo que ele me viu, ele me estranhou”. No começo, até o relacionamento com o marido sofreu mudanças, por causa da autoimagem abalada.
“De vez em quando, vêm os pensamentos sobre o que passou, mas eu recomecei. Voltei a trabalhar, retomei minhas atividades como esposa e mãe, já que eu perdi uma fase importante do meu filho. O importante, agora, é valorizar as pequenas coisas da vida.”
E o recomeço é uma das coisas que a professora Rayanna Figueira, de 23 anos, mostra em seu blog A menina do Linfoma. Em 2013, ela descobriu que seu pulmão estava com muitos tumores devido a um linfoma de Hodking. Como mora em uma cidade bem pequena do interior do Rio de Janeiro, era evidente para Rayanna como muitos a tratavam com sentimento de pena. “Descobrir um câncer é muito mais do que medo, não tem uma palavra para definir, mas você não pode surtar. Eu falava para as pessoas: ‘Hey, para. Eu estou muito bem’.”
Apesar de forte, Rayanna teve de encarar uma reviravolta na vida. Precisou trancar a faculdade, viu amigos se afastarem e até mesmo o namorado de anos de relacionamento. “Perdi cabelo, engordei muito. Eu fiquei muito feia com a quimioterapia, mas eu também percebi quem estava ao meu lado e como a família é a base de tudo. Além disso, o câncer me ensinou a ter paciência.”
Em pouco tempo compartilhando seus relatos sobre a descoberta, as dificuldades do tratamento, a conquista que é conseguir comer um prato de comida - mesmo que isso levasse 5 horas-, Rayanna conquistou milhares de cliques. Por isso, resolveu manter o blog mesmo após vencer a doença para estimular pessoas com histórias similares. “O câncer não precisa ser um diagnóstico de morte. Ele é um diagnóstico de vida.”
Fonte: Portal Estadão - 06/07/2015