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Vira e mexe o debate sobre o uso de drogas volta à tona na mídia e nas rodas de conversas.
No mês passado, a discussão foi aquecida por conta das marchas pela legalização da maconha e a morte da cantora britânica Amy Winehouse levantou a questão da dependência. Em horas como essas, pipocam dezenas de especialistas buscando uma explicação para o problema que tem transformado famílias. As formas de como tratar e de como buscar ajuda e orientação estão sempre no cerne do debate e, mais uma vez, vê-se a sociedade, autoridades e profissionais correndo para apagar incêndios.
É possível, porém, evitar todo esse transtorno? É aí que a relação entre pais e filhos se torna o centro dessa discussão. Segundo uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), a simples presença ativa dos pais na vida dos filhos, estabelecendo regras e limites, com afeto e apoio, pode evitar o uso de drogas por adolescentes.
Chegou-se à conclusão depois de ouvir 232 adolescentes, entre 14 anos e 19 anos, que ligaram para o Serviço Nacional de Orientações e Informações sobre a Prevenção do uso Indevido de Drogas (Vivavoz). Por meio de um questionário, os pesquisadores realizaram um levantamento sobre os tipos de relações entre pais e filhos que poderiam estar associados ao uso de drogas e à vontade de usá-las. As análises mostraram que pais negligentes, permissivos e autoritários (veja quadro) podem contribuir para o uso de drogas.
Isso não ocorre com tanta frequência com os pais mais presentes e interessados na vida do filho, que demonstram afeto e apoio, impõem limites e estabelecem regras. É evidente que mesmo as relações mais saudáveis podem ser atingidas pelo problema, mas a pesquisa indica uma possibilidade menor. “Na nossa observação, esse modelo parental pode prevenir o uso de drogas pelos adolescentes”, aponta Mariana Benchaya, psicóloga e principal autora do estudo. Nessa perspectiva, o conjunto de atitudes dos pais, adotadas na educação dos filhos, torna-se um importante elemento na prevenção do uso de drogas.
RISCOS
Na adolescência, são necessárias inúmeras adaptações e mudanças nas habilidades interpessoais e, por isso, torna-se importante um ambiente familiar que ofereça o acolhimento e a orientação necessários diante da complexidade das emoções vivenciadas. Segundo a pesquisadora, relações familiares com extrema rigidez disciplinar ou, ao contrário, com dificuldades na imposição de limites para o comportamento do jovem podem interferir no desenvolvimento satisfatório dessa fase, acarretando algum tipo de comportamento de risco.
As causas desse comportamento, porém, nunca são uma só. Elas são vistas como fatores biopsicossociais. “Nunca pode-se olhar um fator isolado”, ressalta Zila van der Meer Sanchez, farmacêutica e pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), núcleo inserido no Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Entretanto, Zila pondera que a familia é fator fundamental associado ao uso de drogas, mesmo as lícitas, como álcool e tabaco. “Certamente, há outros fatores que fazem com que o jovem use: uma rede de amigos usuários, baixa autoestima e insegurança. Sem dúvida, famílias indulgentes, autoritárias e negligentes correm mais riscos de ter filhos usuários.”
Desempregada há dois meses, Cláudia Formiga, 37 anos, é um exemplo de mãe permissiva. Desde que o filho, Rian Barros Lira, 16 anos, nasceu, ela cuida sozinha e se desdobra para dar atenção a ele. Como a maioria dos pais que têm seu tempo reduzido, ela acaba permitindo ao filho mais do que deveria e não consegue estabelecer regras e limites. O resultado é um adolescente que não aceita ser contrariado. “Algumas vezes não obedeço às regras dela, porque não quero”, afirma, categoricamente, Rian.
Esse comportamento deixa a mãe angustiada. “Acho que com isso não cumpro o dever de mãe. Tento conversar com ele, mas ele se mostra arredio. Acho o diálogo difícil”, relata. Mesmo de castigo, Rian não deixa de fazer as coisas que gosta, como ficar na internet ou ganhar presentes da avó, da madrinha e da bisavó. Cláudia sustenta ter menos preocupação com um eventual uso de drogas pelo filho do que com a desobediência de Rian. “Isso (drogas) é normal hoje. Um dia ele vai experimentar, mas acredito que não vá se envolver.”
O fato de Cláudia não conseguir estabelecer limites é comum na maioria das famílias. Segundo os especialistas, a exigência de regras deve ser feita ainda nos primeiros anos de vida do indivíduo. Se o processo, contudo, não foi feito como deveria, ainda há tempo. O problema é que os resultados não são imediatos e os pais devem estar dispostos a mudar, em primeiro lugar, suas atitudes. “Não precisa se culpar, pois é algo que não ocorre de propósito. Se os pais soubessem como fazer, fariam diferente. O importante é que eles estejam dispostos a mudanças no próprio comportamento”, afirma Mariana.
DE PERTO
Com a vida atribulada por conta da profissão de produtora cultural e atriz, Débora Aquino, 40 anos, não deixou de acompanhar de perto todas as fases de vida do filho — hoje com 23 anos —, sobretudo a adolescência. “Minha maior preocupação era com o álcool. Por mais que eu estivesse presente na vida do meu filho, tínhamos conversas diárias sobre drogas e isso nos permitiu uma abertura de diálogo. Ele sanava a curiosidade antes de usar”, relata. Débora reforça a ideia de que se a base familiar de confiança não for forte pode gerar uma curiosidade, que, se não explicada, faz com que o indivíduo vá atrás. “Se não explicar o que é, o que causa e suas consequências, o adolescente vai descobrir sozinho, o que é pior”, coloca.
Outro ponto que a atriz também acha fundamental é conhecer o grupo que o filho frequenta. “Fazia questão de chamar todos para minha casa. Criava sempre um clima agradável para eles, sem parecer sentinela do meu filho”, lembra. Além de toda essa participação na vida do filho, Débora e o pai de Pedro nunca beberam na frente do filho. “Acredito que o exemplo que damos é fundamental”, afirma. “De que adianta cobrar, falar dos malefícios, se consumimos algo do tipo?”, indaga a atriz.
Para Zila van der Meer Sanchez, do Cebrid, o exemplo de casa reforça os valores passados. “Antes de falarem sobre drogas, os pais devem rever o próprio uso para que o filho não faça o mesmo.” A afirmação da pesquisadora reforça outra observação feita pelo estudo da UFCSPA: a reclamação dos usuários de drogas quanto ao comportamento dos pais. “Esses jovens sentem a ausência dos pais, a falta de limites”, diz Mariana.
A observação da psicóloga é atestada por Mateus Pio Cordeiro Vasconcelos, 14 anos, sobre alguns colegas. “Tenho amigos que reclamam da ausência dos pais e acabam decidindo e fazendo as coisas sozinhos, sem muita orientação. Ainda bem que tenho a minha mãe perto de mim”. A mãe de Mateus, Magna Antônia Sousa Cordeiro, 37 anos, não abre mão de estar presente na vida dos filhos. Chegou a largar a vida profissional para acompanhar de perto essa transição para a adolescência do menino. “É um investimento que faço nos meus filhos. Nessa fase, eles exigem muito mais atenção e orientação”, afirma. “Minha mãe é pulso firme. Acho que está certa, mas, às vezes, podia pegar mais leve comigo”, opina Mateus.
Em um país como o Brasil, onde 12% da população consome algum tipo de droga, entre 14 e 60 anos, pesquisas que identifiquem os fatores de riscos que podem levar ao uso de drogas ainda são ínfimas. “Temos estudos estrangeiros disponíveis. Estudos que representem a realidade brasileira, entretanto, são muito poucos”, diz Mariana.
AJUDA E ORIENTAÇÃO
Serviço que presta orientação e informação sobre a prevenção do uso indevido de drogas, pelo telefone 0800-5100015. Tem o objetivo de ajudar usuários de drogas e familiares de usuários a falar sobre seus problemas, apoiar em momentos de crise, fazer diagnósticos de prováveis problemas pelo uso de álcool, tabaco e outras drogas lícitas e ilícitas e utilizar técnicas para aconselhar ou propor uma intervenção para conseguir a abstinência.
Fonte: Silvia Pacheco
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